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‘Na transformação digital, você fala diretamente com o cliente’, diz líder de computação em nuvem da Amazon


‘Internet e smartphones fazem consumidores esperarem relação mais próxima com negócios’, diz ao G1 Adrian Cockroft, vice-presidente da AWS, responsável por 72% do lucro da Amazon. Amazon Web Services
Divulgação/Amazon
Se você gosta de “Casa de Papel”, “Sense8” ou “Stranger Things”, há um homem a quem agradecer: Adrian Cockroft. Ele foi o responsável por desenhar a arquitetura de computação em nuvem da Netflix, no momento em que a empresa abandonava de vez o negócio de aluguel de DVD e passava a transformar sua plataforma de streaming de vídeo em um negócio global.
Em 2009, quando a companhia estava prestes a lançar sua primeira operação fora dos Estados Unidos, no Canadá, ele bateu na porta da Amazon Web Services para discutir como seria possível hospedar na nuvem uma cópia do acervo da Netflix em cada canto do mundo onde pretendia entrar. E de uma forma que os clientes pudessem apertar o play e não ter muitos problemas para ver séries e filmes.
Hoje, ele mesmo migrou para a nuvem: é o vice-presidente de arquitetura em nuvem da AWS e ajuda outras empresas a abrir mão de um data center próprio e guardar seus dados nos computadores da empresa. Apesar de a Amazon ser bastante conhecida como a maior varejista do mundo, a computação em nuvem responde por 72% dos US$ 1,92 bilhão de lucro operacional da empresa, segundo dados do primeiro trimestre de 2018.
Ainda que a empresa tenha clientes como Nasa, a prefeitura de Nova York, gigantes globais, como o banco AIG, e regionais, como Magazine Luiza, ele se empolga mesmo com startups, como o Nubank, porque a fintech brasileira “nasceu do zero” já na nuvem.
Ele está no Brasil pela primeira vez desde 1994 para palestrar em um evento da Amazon Web Services que ocorre nesta quinta-feira (21). Além de retornar ao país em ano de Copa do Mundo, o que ele jura que é pura coincidência, Cockroft não poderia ter escolhido melhor momento para a visita. O governo federal acabou de publicar diretrizes para órgãos públicos contratarem serviços de computação em nuvem e o Banco Central criou regras para os bancos brasileiros que queiram hospedar dados de seus clientes fora de seus sistemas.
Coincidência ou não, ele e o governo veem na digitalização de alguns processos um dos trunfos da computação em nuvem.
“Se um banco tivesse 2 mil agências, ele teria 2 mil pontos de acesso aos consumidores. Mas isso foi antes da transformação digital, porque hoje todos os seus consumidores têm um aplicativo para celular que faz as mesmas coisas que uma agência fazia. Se antes você tinha 2 mil, agora têm alguns milhões de consumidores que a todo momento podem se conectar a você.”
“Na transformação digital, em vez de gerenciar seu serviço indiretamente, você fala diretamente com o cliente. Essa é a coisa mais básica para todas as indústrias: internet, smartphones e todas essas tecnologias digitais, que todos carregam consigo, agora fazem com que os consumidores esperem relação mais próxima com negócios.”
Adrian Cockroft, vice-presidente de estratégias para a nuvem da Amazon Web Services.
Reprodução/Vimeo
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
G1 – Você trabalhava na Netflix, uma das maiores clientes da AWX, e agora lidera a estratégia de nuvem da Amazon. Que lições levou?
Adrian Cockroft – Eu entrei na Netflix em 2007, justamente quando estavam lançando o serviço de streaming. Antes disso, era só um negócio de aluguel de DVD. Nessa época, ela era totalmente operada em Data Center. Crescíamos muito rápido e queríamos ir além dos EUA para nos tornar global. Por volta de 2009, quando estávamos trabalhando para operar em todo o mundo, olhamos para os Data Centers e pensamos: ‘Isso não vai dar certo’. Conversamos com a AWS, e a Netflix se tornou o primeiro grande cliente, porque até ali ela costumávamos trabalhar com startups. A arquitetura de hoje é a que definimos em 2010.
G1 – Há alguma série da Netflix que você curte?
Cockroft – Eu gosto de “Chef’s Table”, em que eles acham um chef e investigam a fundo o que ele faz e por que faz. Um deles foi sobre um chefe da Patagônia, que costuma viver no meio da floresta, cozinhando a própria comida. Era uma abordagem totalmente diferente.
G1 – Nunca pensou em dar uma olhadinha na próxima temporada do “Chef’s Table”, já que todo o acervo da Netflix está na Amazon?
Cockroft – Não funciona desse jeito. A gente não pode ver nada do que os nossos consumidores estão hospedando. Tudo é criptografado e fica completamente isolado. O que a AWS vê é, ‘Ok, esse cliente tem mil máquinas sendo usadas’. Só temos que saber o suficiente para cobrar o preço correto. Nós só precisamos saber o suficiente para mandar a conta certa (risos). O que você quer rodar nessas máquinas fica por sua conta.
Nos primeiros dias da Netflix, que é um grande competidor do [serviço de streaming de vídeo] Amazon Prime, os serviços da AWS foi o escolhido para o negócio ser construído. E a Netflix nunca teve nenhum problema de a Amazon Prime ficar sabendo o que eles estavam fazendo.
G1 – Como vocês garantem que os dados são mantidos em segurança e que a transferência dessas informações é feita sem interceptações?
Cockroft – Os dados são criptografados e só o cliente possui a chave. Quando isso ocorre, os dados viram só números aleatórios para qualquer outra pessoa. Se pudesse ver os dados, você veria que tudo está embaralhado. Quando uma requisição é feita para usar aquela informação, o cliente manda a chave para decodificar somente os dados pertinentes para aquela solicitação.
G1 – Apesar dos ataques do presidente Donaldo Trump à Amazon, a empresa é uma das maiores fornecedores do governo norte-americano. Com que órgãos federais vocês trabalham lá?
Cockroft – Nós temos uma versão da nuvem, chamada de Gov Cloud, que é feita especificamente para organizações do governo. É o caso da Nasa. Todos que trabalham lá têm de ser cidadãos norte-americanos. Em um nível, temos um modelo diferente de segurança, regras diferentes sobre quem pode operar. Em outro, temos um estágio ainda maior de sigilo manter [essas informações] ainda mais isoladas.
G1 – O governo brasileiro lançou diretrizes que órgãos públicos devem seguir na hora de contratar nuvens públicas. Como o Brasil é um dos maiores mercados para vários segmentos de tecnologia, qual é o tamanho dessa oportunidade para a Amazon.
Cockroft – Estamos conversando com todos os governos do mundo. É uma grande oportunidade para a gente.
Não conheço a fundo o processo de modernização do Brasil, mas sei que houve projetos semelhantes lançados na França, Argentina, EUA e no Reino Unido. Estamos vendo governos de todo mundo indo para a nuvem, para ter agilidade, velocidade e redução no custo de produção, em comparação ao jeito que costumam fazer as coisas antes. São sistemas muito, muito velhos. Alguns deles foram construídos há 30, 40 anos e precisam ser atualizados. Vemos que querem oferecer melhores serviços para os cidadãos.
G1 – Tanto você como o governo brasileiro falam de transformação digital. Afinal, o que é isso.
Cockroft – Essa é uma expressão comum e a melhor forma de entendê-la é pensar em como os negócios eram feitos anteriormente: eles atendiam aos consumidores apenas de forma indireta. Pene nos bancos: eles construíam produtos de tecnologia para automatizar suas agências; para ser atendido, você tinha que ir até lá, já que era onde as máquinas estava. Se um banco tivesse 2 mil agências, ele teria 2 mil pontos de acesso aos consumidores. Mas isso foi antes da transformação digital, porque hoje todos os seus consumidores têm um aplicativo para celular que faz as mesmas coisas que uma agência fazia. Se antes você tinha 2 mil, agora têm alguns milhões de consumidores que a todo momento podem se conectar a você.
Esse é o exemplo para bancos, mas você pode pensar na TV. Se você é um canal de TV, provavelmente, trabalha com pontos de distribuição local. É essa filial, que talvez atenda 20 cidades, que diga quantas pessoas estão assistindo a um programa. Há no modelo do Netflix, tudo vai diretamente para o consumidor final.
Veja o exemplo da internet das coisas. Os fabricantes esperavam fazer algo, colocar em uma caixa, ser pagos e nunca mais ver aquilo novamente, pois, muito provavelmente, seria alguma reclamação porque o aparelho quebrou. Agora, quando enviam um produto esperam ouvir sobre ele a cada cinco minutos. Ele simplesmente liga para você, porque a Internet das Coisas está na sua porta da frente, na sua campainha, no seu termostato.
Na transformação digital, em vez de gerenciar seu serviço indiretamente, você fala diretamente com o cliente. Essa é a coisa mais básica para todas as indústrias: internet, smartphones e todas essas tecnologias digitais, que todos carregam consigo, agora fazem com que os consumidores esperem uma relação direta com um negócio.
G1 – Com tantos dados fluindo das pessoas para as empresas e também na mão contrária, qual a importância de ferramenta de inteligência artificial para processar todas essas informações?
Cockroft – Quando um canal transmite um programa às 21h, tem de perguntar a outra empresa quantas pessoas ela acredita terem visto aquilo, para decidir quanto pode ser cobrado pelos anúncios baseado nessas taxas.
Quando você vê um produto diretamente levado ao consumidor, sabe exatamente quem o vê. Sabe quem viu da última vez e sabe exatamente quem deveria ver. A inteligência artificial pode olhar para o comportamento de milhões de consumidores e dizer, ‘Pessoas que gostaram dessas coisas aqui podem curtir aquilo ali’. Um algoritmo comum de personalização consegue ainda dizer todas as coisas de que talvez você gostaria com base no que as pessoas que viram o que você viu gostaram de ver.
G1 – Uma das diretrizes do governo brasileiro é que os dados de serviços públicos não sejam hospedados fora do país. Você já viu isso em outro lugar no mundo?
Cockroft – Sim, isso já aconteceu com outros governos quando eles começaram a mover seus dados. Nós temos uma operação aqui [no Brasil] e nunca mudamos os dados de lugar. Se o cliente quiser deixar os dados dele aqui, nunca mudaremos para outro lugar.
G1 – O Banco Central permitiu que bancos guardem dados de seus clientes em nuvens no exterior, desde que os países de destino tenham acordo de transferência com o BC. Isso pode atrapalhar?
Cockroft – Nós vemos bancos ao redor do mundo levando seus dados para a nuvem. E trabalhamos com vários organizações de estado para, em alguns momentos, mudar as regras, em outros, pedir mais esclarecimentos. Recentemente, os reguladores brasileiros permitiram levar dados para a nuvem.
Já fizemos essa migração em vários outros países, dos EUA a Cingapura. Tudo isso está acontecendo porque, se você voltar alguns anos atrás, as pessoas nessas indústrias diziam que nunca mudariam para a nuvem. Diziam, ‘Se a gente ignorar, tudo isso irá sumir’. Agora, é difícil achar quem diga que a migração não vai acontecer. Dizem, ‘Isso vai acontecer comigo um dia’. Agora, que tudo é visto como inevitável, a pergunta passou a ser: ‘Quando e como chegamos lá?’.
Estamos vendo muitos consumidores tendo vantagens como agilidade ao usar a nuvem e deixando de lado infraestruturas usadas anos atrás. Estamos ainda vendo novas companhias, como o Nubank, que está crescendo muito rapidamente ao atender as necessidades de clientes e fazendo os outros bancos ter de competir com ele.
Em todos os países, encontramos companhias preocupadas em ser as primeiras e encarar todos os problemas disso, quando deveriam querer ser as primeiras e ter os benefícios de ser as primeiras. Vemos isso com bancos, indústrias. E o que os concorrentes deles estão tendo que fazer é segui-los ou copiá-los.
G1 – Quais setores, impensáveis até pouco tempo atrás, estão migrando para a nuvem?
Cockroft – Os primeiros mercados foram varejo e entretenimento, mas agora os bancos entenderam. Todos estão em lugares diferentes mas entenderam o que precisam fazer. A indústria é um dos mercados interessantes que está adotando a nuvem. A empresas de energia também estão tentando se reinventar ao ir para a nuvem. No Oriente Médio, eles estão sentados sobre todo aquele óleo, mas ainda assim estão construindo painéis solares o mais rápido possível. Estão se perguntando sobre o que seria uma economia pós-petróleo e pensando se será uma economia digital. Por isso, estão usando todo o dinheiro ganho óleo e investindo em energias renováveis.
Carros estão se tornando laptops com volantes. Há muita tecnologia neles, principalmente nos carros elétricos. Há muitas companhias de energia pensando em como se preparar para atender o que está por vir, já que não haverá postos de gasolina e, sim, pontos de recarga. O carro deixou de ser aquele produto que você vende e não quer mais ver. Agora, ele é completamente conectado. Todos os carros da Tesla que estão circulando por aí estão gravando toda rodovia para saber, por exemplo, quão rápido o tráfego está fluindo, e as empresas automotivas estão coletando todos esses dados.