Novo telescópio irá detectar radiação de mais alta energia produzida no Universo
Elton Alisson, da Agência FAPESP
Astrônomos do Brasil, Itália e da África do Sul começaram a instalar no Observatório del Teide, em Tenerife, na Espanha, o primeiro de nove telescópios Cherenkov, que serão capazes de detectar a radiação da mais alta energia produzida no Universo: os raios gama de energias extremas.
A instalação do arranjo completo de nove telescópios deve ser concluída até o segundo semestre de 2023 e a obtenção das primeiras imagens astronômicas está prevista para acontecer em 2024.
Os pesquisadores brasileiros vêm participando de todas as etapas de construção do primeiro telescópio, apoiados pela FAPESP no âmbito de um Projeto Temático.
“A participação brasileira nesse projeto tem importância estratégica muito grande para o Brasil porque permite que o país ingresse no desenvolvimento de instrumentação para astronomia multifrequência”, diz à Agência FAPESP Elisabete de Gouveia Dal Pino, professora do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e coordenadora do projeto.
“O país já tem uma certa tradição em desenvolvimento de instrumentação para telescópios ópticos e radiotelescópios e agora está iniciando sua participação na astronomia de raios gama. Dessa forma, estamos cobrindo as frequências do espectro do rádio ao raio gama”, avalia Dal Pino.
O instrumento desenvolvido pelos cientistas brasileiros e italianos é o primeiro telescópio que integrará o ASTRI Mini-Array – um conjunto de nove telescópios Cherenkov, com quatro metros de diâmetro, cuja estrutura será a mesma utilizada nos telescópios denominados de tamanho pequeno (no inglês SSTs) que comporão o Cherenkov Telescope Array (CTA), o maior observatório astronômico de raios gama do mundo, colaboração da qual o grupo de Dal Pino também participa. O grupo é responsável pela construção de três dos nove telescópios do ASTRI Mini-Array.
Com custo estimado em € 400 milhões e participação de 31 países – incluindo o Brasil –, o CTA deverá ser composto por uma rede de cerca de cem telescópios do tipo Cherenkov, capazes de detectar e gerar imagens de chuvas de partículas de luz altamente energizadas produzidas quando os raios gama vindo do espaço incidem na atmosfera.
Ao chegar à Terra, os raios gama colidem com moléculas do ar e dão origem a partículas secundárias subatômicas – elétrons e pósitrons –, que caem em forma de cascatas, também conhecidas como chuveiros de partículas.
Essas partículas de alta energia podem viajar mais rápido que a velocidade da luz, dando origem a um flash azul semelhante a uma onda de choque produzida por um avião supersônico ao quebrar a barreira do som. O efeito foi batizado de “radiação ou luz Cherenkov” em homenagem ao físico russo Pavel Cherenkov (1904-1990), que o descobriu experimentalmente (leia mais em https://agencia.fapesp.br/25497/).
“A possibilidade de olhar para o Universo nessa faixa extrema do espectro só foi possível recentemente por meio de tanques de água sensíveis à radiação Cherenkov, instalados no Observatório de Raios Gama HAWC, no México, e do LHAASO [sigla em inglês de Grande Observatório de Chuveiros Aéreos de Alta Altitude, situado na China]. Mas os sinais obtidos por esses meios são de baixa resolução. Dessa forma, não é possível ter certeza em relação à fonte do sinal capturado”, diz Dal Pino.
Maior resolução
Segundo a pesquisadora, o CTA permitirá aumentar em até dez vezes a resolução dessas fontes. Isso será possível em razão da área de coleta do arranjo de telescópios e de uma combinação de três classes desses telescópios Cherenkov de diferentes tamanhos, distribuídos em dois sítios – o maior deles no Cerro Paranal, no Observatório Europeu do Sul (ESO), no Deserto do Atacama (Chile), e outro na Observatório de los Muchachos, em La Palma, nas Ilhas Canárias, da Espanha.
No Cerro Paranal, numa primeira fase de construção, serão distribuídos em uma área de, aproximadamente, três quilômetros quadrados (km²) 14 telescópios de médio porte, com 12 metros de diâmetro, e 37 de pequeno porte, com quatro metros de diâmetro. Esse conjunto de telescópios será voltado sobretudo para registrar eventos mais energéticos e muito luminosos na Via Láctea.
Já em La Palma, nas Ilhas Canárias, serão instalados nessa primeira etapa, ao longo de uma área com cerca de 0,5 km², quatro telescópios de grande porte, com 23 metros de diâmetro, e outros nove de médio porte, com foco na observação de eventos extragalácticos menos energéticos e menos luminosos.
Os telescópios maiores serão voltados a captar os fenômenos que produziram energias menores, de pouca luz. Já os telescópios menores terão a função contrária, de observar eventos extremamente energéticos e luminosos. E os de tamanho intermediário farão a ponte entre os dois extremos.
Por meio de projeto também apoiado pela FAPESP, outro grupo de pesquisadores brasileiros, liderado por Luiz Vitor de Souza Filho, professor do Instituto de Física de São Carlos da USP, desenvolveu a estrutura metálica usada para posicionar a câmera dos telescópios médios.
“Com essa configuração de telescópios com três diferentes tamanhos será possível observar a radiação gama em uma faixa de energia muito extensa, entre 20 gigaelétron-volt (GeV) e 300 teraelétron-volt (TeV)”, explica Dal Pino.
De acordo com a pesquisadora, toda a testagem, que começa a ser feita agora com o arranjo de telescópios do ASTRI sendo instalado em Tenerife, em colaboração com os astrônomos italianos e sul-africanos, será muito útil para o CTA.
“A testagem permitirá fazer modificações para corrigir eventuais pequenos erros estruturais”, afirma.
A construção do CTA Norte, no Cerro Paranal, começou antes da pandemia de COVID-19 e a do Sul, na Espanha, estava prevista para ser iniciada este ano. A pandemia, a erupção do vulcão Cumbre Vieja nas Ilhas Canárias, em setembro de 2021, e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia, contudo, contribuíram para atrasar o projeto.
“Nesses últimos anos aconteceu uma série de eventos que afetaram o cronograma do CTA. A guerra na Ucrânia, por exemplo, diminuiu a oferta e contribuiu para aumentar o preço do aço, uma vez que boa parte do metal usado na Europa é proveniente do país”, explicou Dal Pino.
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