Frederico Meinberg alerta que eleição no Brasil pode ser definida nas redes sociais e afirma que luta contra fake news não pode dominar atenções; leia entrevista. Frederico Meinberg, promotor do Ministério Público do DF
Samuel Figueira/MPDFT
O Facebook sofreu um abalo significativo nesta semana, mais precisamente desde a revelação de que os dados de mais de 50 milhões de usuários da rede social – uma das mais queridas pelos brasileiros – foram utilizados sem consentimento pela empresa Cambridge Analytica para fazer propaganda política.
O valor de mercado da rede social despencou. E o drama deve ganhar novos episódios a partir de terça-feira (27), quando o consultor político André Torretta, ex-sócio da Cambridge no Brasil, for interrogado pelo Ministério Público do Distrito Federal. A investigação é tocada pelo promotor Frederico Meinberg, coordenador da Comissão de Proteção dos Dados Pessoais do MP.
É ou não é? G1 checa mensagens que viralizam nas redes e responde se é verdade ou boato
Antes de debruçar-se em mais um caso que põe em xeque a segurança do usuário de internet em todo o Brasil, Meinberg conversou com o G1 a respeito dos problemas da publicidade direcionada em um ano eleitoral.
“O mapeamento de eleitores é o novo tempo de TV. O candidato poderá pagar para que a propaganda eleitoral chegue ao eleitor”, disse. O procedimento foi utilizado de forma decisiva na eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, em 2016.
O promotor tratou também do debate a respeito das fake news. A disseminação de conteúdo falso não é novidade. O general romano Marco Antônio, por exemplo, se matou motivado pelo recebimento de uma notícia enganosa. Mais de 2 mil anos depois, uma série de boatos espalha rumores falsos sobre a vereadora executada Marielle Franco.
Para enfrentar a disseminação de mentiras, uma cruzada contra fake news não é suficiente, na visão do promotor: “Nosso foco tem de estar nos conteúdos ilegais das redes sociais”.
Leia a entrevista abaixo:
G1: Em janeiro, no Ministério Público, o senhor disse que a publicidade direcionada se tornaria um inimigo pior do que as fake news. Imagino que uma semana marcada pelo escândalo da Cambridge Analytica tenha reforçado esse pensamento.
Frederico Meinberg: Eu já tinha cantado a pedra. Na quarta (21), estive no Senado e vou repetir o que disse lá: fake news são uma ferramenta de perda de voto. O que a Cambridge e as outras empresas estão fazendo no Brasil e no mundo é o que vai ganhar a eleição, isso sim.
É o microtarget (alvo), é você selecionar a população dentro dos possíveis eleitores para direcionar sua publicidade. E o mais importante: a população para a qual você não vai direcionar seu tempo e dinheiro, que é o que o (Donald) Trump fez.
O Trump, junto da Cambridge, fez isso com maestria. Eles não gastaram tempo nem dinheiro com negros, homossexuais nem latinos. Eles focaram em brancos do interior dos Estados Unidos que estavam em dúvida entre Trump e Hillary (Clinton).
Você tinha uma análise massificada e um panorama de 50 milhões de americanos e você sabia para onde ir e onde não ir. Muitas vezes, saber onde não ir é mais importante do que o ir.
E é essa repetição que as empresas estão querendo fazer no mundo. Não é à toa que a Cambridge está aqui. Não vamos ser ingênuos de achar que saiu porque se quebrou um contrato. Ninguém viu o contrato, ninguém viu a quebra, ninguém viu nada.
O ex-diretor-executivo da Cambridge Analytica, Alexander Nix, foi gravado dizendo que a empresa vendeu dados para a campanha de Trump
AFP
G1: O consultor André Torretta disse que a Cambridge não tem dado de brasileiros. Dá para acreditar nessa versão?
Meinberg: Eu vou interrogar o Torretta na terça-feira, aqui em Brasília. Não tem dado de brasileiro? Beleza, mas que dado ele tem? Eu mandei notificação dizendo, principalmente, ‘não destrua documento físico, digital, mantenha todo tipo de e-mail que tenha, toda mensagem, todo número de conta, todos os telefonemas que foram feitos’. Vamos ver.
Como o Facebook pretende evitar novos escândalos?
G1: Os interrogatórios com a Cambridge serão a terceira grande ação de sua promotoria neste ano, depois dos casos Netshoes e Uber. É possível que o usuário de internet no Brasil entre em uma bolha de segurança?
Meinberg: É impossível. Isso vale para o usuário de internet do mundo inteiro. O que você consegue fazer é tomar medidas paliativas para evitar isso.
Vamos lá: usar uma navegação privada, usar navegadores adequados… Tem um navegador que é público e gratuito, o Ghostery, que não deixa rastros. Você também pode usar aplicativos para limpar cookies do seu celular e do seu terminal de computador. Se for entrar em redes sociais, é bom usar um e-mail paralelo que não é o que você usa profissionalmente.
Você tem de buscar maneiras de usar a internet sem ficar exposto. Isso é uma realidade mundial.
Escritórios da Cambridge Analytica, no centro de Londres, em imagem de arquivo
Kirsty O’Connor/PA via AP
G1: Vivemos numa época em que as pessoas usam uma tecnologia que elas não compreendem?
Meinberg: Não entendem. Você imagina: nas décadas de 1930, 1940, a tecnologia era absorvida na sociedade de forma muito gradual. O rádio demorou décadas para ser massificado, a TV também. Muitas vezes, levava uma ou duas gerações. Entrada a TV na casa do vizinho, e ali você tinha contato.
Hoje, é surreal termos avós, pais, nós mesmos e nossos filhos lidando com a mesma tecnologia. Você ter quatro gerações sendo apresentadas à mesma tecnologia ao mesmo tempo, que é o que acontece hoje, seria praticamente impossível no passado recente.
40% das pessoas não conseguem detectar imagens manipuladas
Sempre se falou muito em conectividade, que nós temos de entregar conectividade e acesso à internet às pessoas, mas as pesquisas mais sérias nos Estados Unidos estão mostrando que o excesso de conectividade está prejudicando as minorias.
Na realidade americana, a criança negra fica 13 horas em média em frente a uma televisão, um celular ou um computador, enquanto a média de uma criança branca é de 5 a 6 horas. Então, a conectividade sem critérios é uma nova bomba para as gerações. As classes menos favorecidas estão sendo vítimas desse excesso de conectividade sem qualidade.
G1: Nesta semana, o senhor afirmou que a metodologia norte-americana de investigação é a melhor. Por quê?
Meinberg: Basicamente, todos os cursos que fiz foram lá. Você tem cursos de hacker do bem, para entender o procedimento. Tem cursos de perícia forense. Nós não temos a cultura disso no Brasil.
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos tem manuais de investigação de crimes cibernéticos desde a década de 1980. Nós, no Brasil, não temos a padronização de nada, cada um faz da maneira como acha melhor ou que entende. Aí fica uma coisa meio esquizofrênica. Por isso, a metodologia americana (de investigação) é excepcional nessa hora, e por isso nos espelharmos na legislação europeia é excepcional.
G1: Como assim?
Meinberg: A metodologia de investigação americana é superior hoje no mundo, mas os modelos (de legislação) que temos de usar para proteção de dados pessoais e privacidade é o europeu. Os europeus estão a anos-luz do resto mundo em em modelos legais de privacidade e proteção de dados.
Metodologia norte-americana de investigação é a mais adequada, afirma Meinberg
Reprodução/TV Globo
G1: De 0 a 10, qual nota o senhor dá para a nossa legislação para o momento que vivemos hoje?
Meinberg: Cinco. Nós temos um arcabouço jurídico muito rígido com relação a isso. Nós não temos uma lei geral de proteção de dados pessoais, mas temos uma Constituição forte, um Código de Defesa do Consumidor forte, além de Marco Civil da Internet, regulação do Marco Civil da Internet, Lei de Acesso à informação, Lei do Cadastro Positivo e legislações setoriais, tais como as bancárias e de saúde. É uma legislação muito robusta. Todas as investigações nossas são com base no Código de Defesa do Consumidor.
G1: Voltando à parte eleitoral, o fato de nosso Código Eleitoral ter mais de 50 anos é problemático?
Meinberg: Anualmente, a nossa lei eleitoral passa por reformas ou microrreformas. Nós tivemos uma reforma no ano passado que está intimamente casada a essa investigação da Cambridge Analytica, pois legalmente se autorizou o impulsionamento de conteúdo por candidato ou por coligação. Era uma coisa meio fluida, antes. No ano passado, com a reforma eleitoral, se autorizou o impulsionamento de conteúdo por meio de rede social.
Então, um candidato poderá pagar para que aquela propaganda eleitoral chegue ao eleitor, e aí está o grande pulo do gato de empresas como a Cambridge e outras tantas que operam no Brasil e fora. Um candidato com dinheiro e mapeamento de eleitores, como a Cambridge faz, é o novo tempo de TV.
Antes, se ganhava eleições com tempo de TV e dinheiro. Hoje, se ganha eleições com dinheiro e mapeamento de eleitores nas redes sociais.
Com mapeamento dos possíveis eleitores, você corre o risco de ganhar uma eleição, pelo menos no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste, regiões onde há um acesso à internet mais amplo, coisa que não está massificada no Norte do país. Mas, nessas regiões, a internet tem um peso de ganhar eleições.
O WhatsApp tem meios de conferir se uma conversa está protegida pela criptografia de ponta a ponta
Reprodução/G1
G1: É mais fácil seguir passos no Facebook, por exemplo, do que em uma rede social fechada, tais como WhatsApp e Telegram? É possível combater nessas “trincheiras”?
Meinberg: São ferramentas diferentes. Não é nem ideal que isso aconteça. Quando você fala em comunicações instantâneas e criptografia, eu entendo que o ideal é você manter a criptografia. Ela é a nova armadura da era digital.
Você não pode pensar em criar um backdoor e começar a quebrar isso. O que se tem que fazer quando se pensa em WhatsApp e Telegram são os metadados. Eles são de suma importância.
Vídeo: como funciona a criptografia no WhatsApp?
G1: Aplicativos com criptografia, tais como WhatsApp e Telegram, não vão entrar na mira das investigações por enquanto?
Meinberg: Não. São coisas bem diferentes. Qualquer alvo utilizado por meio de WhatsApp será, em regra, por informação obtida no Facebook. Basta lembrar que os dois principais parâmetros de uma pessoa, o “CPF” delas no Facebook, são o telefone ou o e-mail. Eles são o identificador dela na plataforma.
O nome não tem importância, o país muitas vezes não é importante. O que importa é o e-mail e o telefone, dependendo da maneira como ela fez o cadastro. Se ela usou o telefone, sim, ela poderá ser um microtarget no WhatsApp com informações obtidas no Facebook.
G1: Com o aumento da distribuição de notícias falsas nas redes sociais, a imprensa deve fortalecer a presença ali ou deixar esse ambiente?
Meinberg: Estamos em um momento de testes, por parte da sociedade, das empresas, das autoridades, para chegar a um modelo mais adequado, que vai proteger o cidadão, o nacional, os dados pessoais, a privacidade e vai fomentar notícias corretas.
Eu vejo todos os movimentos como movimentos de teste para ver como o mercado e as autoridades vão reagir. Como você protege dados e privacidade? Como é que se combate fake news? Todo teste dentro de uma democracia é saudável.
Fake news: como nasce uma notícia falsa?
G1: Por quanto tempo vamos fazer testes?
Meinberg: A internet tem quantos anos no Brasil? Desde a década de 1990? Testes de democracia são feitos em 100, 200, 300 anos. A gente está correndo, tem quase 30 anos.
Os testes, hoje, são mais corridos. Mas tem que testar, a democracia é feita com testes, é erro e acerto. Ela, por si só, representa isso. Você escolhe um péssimo presidente, você escolhe um bom presidente… Democracias sólidas são assim, os Estados Unidos são isso. E é cíclico, né? Os EUA tiveram um (Richard) Nixon. Isso testou a democracia.
Combate às notícias falsas é feito há mais de dois milênios
Reprodução/Fantástico
G1: Quando a gente busca a trajetória das fake news, entra em milênios de história. Continuamos fazendo o combate até hoje. Estamos lutando contra moinhos de vento ou um dia conseguiremos vencer?
Meinberg: Nós não podemos ter os olhos simplesmente em cima de fake news. Seria um grande erro. O nosso foco tem de estar nos conteúdos ilegais das redes sociais. O que é isso? São postagens que fomentem violência contra a mulher, neonazismo, grupos que vendem armas, tráfico de drogas, e fake news também.
É isso que a legislação alemã fez. Ela entrou em vigor em dezembro de 2017 e é a única no mundo sobre o assunto, e o foco dela nunca foi fake news. O foco está no conteúdo ilegal.
Ela é muito interessante porque criou barreiras de proteção. A legislação alemã não incidiria sobre um G1, por exemplo, porque ele não é rede social. Ele tem responsabilidade dele como imprensa, pelo Código Civil. O WhatsApp também não tem incidência na lei alemã, porque é um comunicador instantâneo pessoal, em regra. Também não afeta redes sociais de start ups.
É uma coisa muito inteligente o que eles fizeram. Vão coibir conteúdos ilegais apenas em plataformas que tenham mais de 2 milhões de usuários e busquem lucro. Se eu crio uma rede social do bem, para pessoas que querem fazer trabalhos voluntários, ela tem 4 milhões de usuários, mas não dá lucro, a legislação alemã também não vai incidir nela.
Guia de segurança na web para quem tem mais de 60 anos
G1: Quando quem coloca um conteúdo ilegal na rede é um deputado federal ou uma desembargadora, como no caso de Marielle Franco, precisamos ficar mais preocupados com o filtro da sociedade?
Meinberg: Como eu disse, é tudo muito novo, não dá para crucificar o usuário. O deputado e a desembargadora são usuários também, e são usuários de geração diferente dos nossos filhos. Então, quando falamos do caso Marielle, que foi um caso de comoção em uma sociedade totalmente dividida – que é o que está acontecendo em escala mundial –, temos de ter cuidado para não crucificar as pessoas.
Se isso acontecer, vamos entrar na lógica russa ou na chinesa, que é a de crucificação das pessoas por meio da rede social como mecanismo de Estado. Temos de tomar muito cuidado para não fazer isso. A repressão, hoje, é feita de maneira sutil, e Rússia e China aprenderam a fazer isso com maestria. Você não persegue mais o dissidente político na rua. Você faz chantagem, coloca uma guerrilha virtual contra a pessoa para desmoralizá-la.
Nós podemos, sim, criticar determinados conteúdos. Nós podemos combater esses conteúdos, apontando o que é verdade. Mas não podemos entrar nessa loucura de combater um erro com a mesma arma do erro e com ódio.
Leia mais notícias sobre a região no G1 DF.
Initial plugin text